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ORAR PELOS FILHOS

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba -SP




Celebramos as memórias de Santa Mônica (dia 27/8) e de Santo Agostinho (dia 28/8). Duas memórias inseparáveis. O Santo foi convertido pela graça perseverantemente pedida pelas lágrimas suplicantes de sua santa mãe, derramadas na presença de Deus. Mais tarde ele assim descreveu, em forma de oração, o pranto e a prece de sua mãe: “Do alto estendeste tua mão e arrancaste a minha alma daquela espessa treva, pois minha mãe, fiel a Ti, chorava mais que choram as mães a morte física de seus filhos.
Com o olho da fé e do espírito que tu lhe davas, ela via minha morte, e tu, Senhor, a escutaste. Tu a escutaste, e não desprezaste as lágrimas que regavam o solo aonde quer que ela fosse” Agostinho referindo-se a um sonho em que foi revelado à sua mãe que ele, um dia, estaria no mesmo lugar onde ela estava, assim narra o que se passava em seu coração de filho pródigo: “Quando ouvi dela a narração do sonho, tentei dizer que, na verdade, ela não devia perder a esperança de um dia ser como eu era. E, ela, sem hesitação me respondeu: ‘Não, não me foi dito: onde ele está, estarás também, mas onde estás, ele estará também’ Confesso-te, Senhor, esse episódio, e dele assim me lembro. Nunca o escondi: mais do que o próprio sonho, abalou-me aquela resposta, dada por ti através do sonho. Ela não se perturbou diante de minha interpretação tão sutil quanto falsa, e viu o que se anunciava (algo que não percebi antes que ela falasse).
Aquele sonho, consolador das penas de então, previa muito tempo antes a alegria que ela desfrutaria depois. De fato, passaram-se nove anos, durante os quais me aviltei na escura e pantanosa senda do erro, tentando levantar-me, mas afundando sempre mais. Mesmo assim, aquela viúva casta, como as caras a ti, devota, diante de ti chorava sempre, em suas orações. E elas te alcançavam, mas tu deixavas que eu rastejasse nas trevas” ( Liv III, 11-20). Agostinho narra a resposta de um bispo a Mônica que lhe suplicava conversar com Agostinho:  “Vá, e fique em paz. Não é possível que o filho de tantas lágrimas se perca!” (Liv III, 12-21). Nos dias que antecederam a páscoa definitiva de Santa Mônica houve entre ela e o filho o seguinte diálogo: “Falávamos a sós, com muita doçura e, esquecendo-nos do passado, com os olhos no futuro, indagávamos entre nós sobre a verdade presente, quem és tu, como seria a futura vida eterna dos santos, que olhos não viram, nem ouvidos ouviram nem subiu ao coração do homem (cf.1Cor 2,9). Mas ansiávamos com os lábios do coração pelas águas celestes de tua fonte, fonte da vida que está junto de ti.  Eu dizia estas coisas, não deste modo nem com estas palavras.
No entanto, Senhor, tu sabes que naquele dia, enquanto falávamos, este mundo foi perdendo o valor, junto com todos os seus deleites. Então disse ela: “Filho, quanto a mim, nada mais me agrada nesta vida. Que faço ainda e por que ainda aqui estou, não sei. Toda a esperança terena já desapareceu. Uma só coisa fazia-me desejar permanecer por algum tempo nesta vida: ver-te cristão católico, antes de morrer. Deus me atendeu com a maior generosidade, porque te vejo até como seu servo, desprezando a felicidade terena. Que faço aqui?”(Liv. IX, 10-11). Poucos dias depois Mônica partiu. A seu irmão que insistia em retornar à própria terra para lá ser sepultada, ela advertiu: “Vê o que diz”. Depois falou a ambos: “Ponde este corpo em qualquer lugar. Não vos preocupeis com ele. Só vos peço que vos lembreis de mim no altar de Deus, onde quer que estiverdes”(idem). Agostinho se tornou santo: sua ânsia de amor, que o fez perder-se nos fugazes amores deste mundo, e sua fome de verdade, que o levou a longas viagens pelos sinuosos caminhos da filosofia, encontrou em Deus a resposta, a única verdadeira: “nosso coração permanece inquieto enquanto em Ti não repousa”.
A oração perseverante da mãe foi de fundamental importância para a conversão de Agostinho. Os pais devem orar pelos filhos para que estes se encontrem com Deus e perseverem no Caminho. Agostinho era um filho bem sucedido, o tipo de filho que, do ponto de vista do sucesso, seria hoje o orgulho dos pais. Mônica, entretanto, “mais que choram as mães a morte física de seus filhos”, chorava diante de Deus, porque faltava a seu filho a fé. Convertido, Agostinho deixa tudo, e se transforma em Santo Agostinho. Sua sede de amor encontrou o supremo bem e sua sede de verdade a verdade infinita. Concluo com uma pergunta: você, pai, você, mãe, ora pelos seus filhos? 

Santa Mônica e Santo Agostinho
Rogai por nós...

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Avanços

Desde meus tempos de juventude ouvi falar de avanços. E qual não era meu entusiasmo quando ouvia falar de um teólogo avançado. Quase sempre o jovem é avesso a pensadores ou pessoas consideradas “reacionárias” ou retrógradas. Reacionário tinha uma conotação mais política em contraposição a revolucionário. Retrógrado dizia mais respeito ao pensamento e a certas práticas consideradas anacrônicas. A propósito tenho escutado com freqüência pessoas falarem de avanços. Não faz muito tempo ouvi de uma professora universitária, em entrevista radiofônica, considerações sobre união legal de homossexuais. Ela dizia que, em determinado país, a sociedade já admitia sem sobressaltos as celebrações de tais uniões. E afirmava que tal avanço ainda não estava acontecendo no Brasil. Outros avanços são igualmente proclamados: divórcio, aborto, pesquisa com células-tronco embrionárias, difusão do uso de preservativos, Kit Gay. O leitor poderá acrescentar outros à lista que tende a se tornar cada vez mais longa. Entendo que o horizonte de compreensão que leva a falar de avanço nestes casos, e eventualmente em outros, é o avanço cultural no que diz respeito aos direitos da pessoa. Nosso País tem respondido parcialmente bem à exigência de promover os direitos da pessoa. Exemplo de real avanço nesse sentido, dentre outros, são o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso. Mas gostaria de recordar ao leitor quais foram os maiores avanços acontecidos na história humana e que, graças a Deus, apesar de nosso egoísmo, têm atenuado os males que afligem desde as origens a sociedade humana. Vou transcrevê-los tais como aparecem em sua carta magna, para o que peço ao leitor o silêncio de quem acolhe o avanço definitivo e insuperável para a promoção da dignidade humana. Ei-los:
Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás; quem matar será castigado pelo juízo do tribunal.
Eu, porém, vos digo: todo aquele que se irar contra seu irmão será castigado pelos juízes. Aquele que disser a seu irmão: Raca, será castigado pelo Grande Conselho. Aquele que lhe disser: Louco, será condenado ao fogo da geena... Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração... Foi dito: Aquele que repudiar sua mulher dê-lhe uma carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: Todo aquele que repudia sua mulher, a não ser em caso de fornicação, faz com que ela adultere; e aquele que se casa com a repudiada comete adultério.... Ouvistes ainda o que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas cumprirás para com o Senhor os teus juramentos. Eu, porém vos digo: não jureis em hipótese alguma: nem pelo céu nem pela terra...Seja vosso sim , sim, e vosso não, não. O que passa disso vem do Maligno.
Tendes ouvido o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra. Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa. Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil. Dá a quem te pede e não te desvies daquele que te quer pedir emprestado.
Ouvistes que foi dito: Amarás teu próximo e odiarás teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos perseguem. Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos. Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os próprios publicanos? Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem isto também os pagãos. Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito.”( Cf. Mt, capítulos 5,6 e 7).
Todo o ensinamento de Jesus é a explicitação daquilo que Ele mesmo viveu, cuja síntese é o sermão da montanha, de onde tirei os trechos em que Ele afirma: “foi dito aos antigos...Eu, porém vos digo”. Convido o leitor a meditar todo o sermão que começa com uma proposta de felicidade, que é o inverso daquilo que o mundo está a propor e que começa assim: “Bem-aventurados – felizes - os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus”. Jesus encontrou forte resistência, também da parte dos discípulos, quando propôs o espírito de pobreza – desapego – em lugar do amor ao dinheiro (Mt 19,23-26); o espírito de serviço em lugar do gosto pelo poder (Mt 20,20-28); o amor de doação no lugar do instinto de posse na relação homem-mulher (Mt 19,1-12). Mas sobre essa resistência refletiremos na próxima vez.
Oxalá todas as leis se inspirassem nesses avanços definitivos e insuperáveis para fazer avançar a convivência humana na direção do eticamente ótimo!

Os discípulos e o dinheiro

No último artigo desta coluna, ao comentar sobre “avanços”, referindo-me a leis que legitimam formas de comportamento que rompem com costumes incorporados à cultura, pela influência do cristianismo, afirmei que avanço mesmo de verdade é a proposta de vida de Jesus tal como vem descrita nos capítulos quinto, sexto e sétimo do evangelho segundo São Mateus. Com Jesus a ética judaica deu um incrível salto de qualidade. Basta lembrar este item: “Ouvistes que foi dito: Amarás teu próximo e odiarás teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos perseguem”. (Mt 5,43). A proposta de Jesus pega o ser humano pela raiz para chamá-lo a uma liberdade profunda que lhe permita uma verdadeira relação de autonomia e de amor com o próximo. O sermão da montanha não abole a lei dada no Monte Sinai a Moisés, mas a leva à plenitude. O caminho ensinado por Jesus aos poucos vai sendo explicitado para os discípulos. Jesus, entretanto, encontra forte resistência da parte deles, sobretudo quando propôs: o espírito de pobreza – desapego – em lugar do amor ao dinheiro (Mt 19,23-26); o espírito de serviço em lugar do gosto pelo poder (Mt 20,20-28); o amor de doação no lugar do instinto de posse na relação homem-mulher (Mt 19,1-12). Analisemos hoje o espírito de pobreza. Para tal cito duas passagens: a) “Ninguém pode servir a dois senhores: ou vai odiar o primeiro e amar o outro, ou aderir ao primeiro e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”... “Por isso, eu vos digo: não vivais preocupados com o que comer ou beber, quanto à vossa vida; nem com o que vestir, quanto ao vosso corpo. Afinal, a vida não é mais que o alimento, e o corpo, mais que a roupa? Olhai os pássaros do céu: não semeiam, não colhem, nem guardam em celeiros. No entanto, o vosso Pai celeste os alimenta. Será que vós não valeis mais do que eles? Quem de vós pode, com sua preocupação, acrescentar um só dia à duração de sua vida? E por que ficar tão preocupados com a roupa? Olhai como crescem os lírios do campo. Não trabalham, nem fiam. No entanto, eu vos digo, nem Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um só dentre eles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje está aí e amanhã é lançada ao forno, não fará ele muito mais por vós, gente fraca de fé?Portanto, não vivais preocupados, dizendo: ‘Que vamos comer? Que vamos beber? Como nos vamos vestir? Os pagãos é que vivem procurando todas essas coisas. Vosso Pai que está nos céus sabe que precisais de tudo isso. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo. Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá sua própria preocupação! A cada dia basta o seu mal. (Mt 6,24-34).
Jesus fala de dois senhores. Só Deus é o Senhor. Essa é a razão por que Paulo vai chamar o amor às riquezas – avareza – de idolatria. (Cl 3,5). Servir a Deus é libertar-se da escravidão ao dinheiro e se tornar verdadeiramente livre para Deus, fonte de alegria e de paz para os outros. O segredo de uma vida feliz está em viver a palavra de Jesus: “buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo”. b) “Jesus disse então aos seus discípulos: Em verdade vos declaro: é difícil para um rico entrar no Reino dos céus! Eu vos repito: é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus. A estas palavras seus discípulos, pasmados, perguntaram: Quem poderá então salvar-se? Jesus olhou para eles e disse: Aos homens isto é impossível, mas a Deus tudo é possível” (Mt 19,23-26).
Jesus faz essa advertência aos discípulos que assistiram a seguinte cena: Jesus, diante de um homem rico, provavelmente jovem, que sente o desejo de um compromisso mais profundo com Deus, convida-o a vender tudo e distribuir aos pobres para depois segui-lo. “O moço, ouvindo essa palavra, saiu pesaroso, pois era possuidor de muitas propriedades” (cf. Mt 19,16-22) Verificamos a mentalidade dos discípulos quando, diante da palavra de Jesus sobre a dificuldade para um rico de entrar no Reino de Deus, ficaram “pasmados”e “perguntaram: quem poderá então salvar-se?” Os discípulos estavam também tomados pela convicção de que a riqueza material não só era desejável, mas também sinal da bênção divina. E, com certeza, presenciavam também naquele tempo a corrupção presente na vida da sociedade. A avareza, a sede insaciável de tudo possuir, é um dos pecados capitais. O espírito de pobreza dá sentido à riqueza, que, na administração de pessoas generosas, se torna um bem para todos. Há empresários que colocam o bem comum como razão de seus empreendimentos. Mas há escravos da riqueza. São infelizes. Para Deus, entretanto, é possível a conversão do rico. Não foi esse o caso de Zaqueu? (cf. Lc 19,1-10). No meio de tanta corrupção foi tocante saber, faz alguns dias, que um casal de moradores de rua, tendo encontrado uma pequena fortuna, procurou que ela chegasse ao seu legítimo dono.


Os discípulos e o poder

No último artigo desta coluna refletimos sobre a resistência dos discípulos à proposta de uma vida livre da obsessão pelo dinheiro. Outro aspecto da proposta de Jesus é o espírito de serviço em lugar do gosto pelo poder. Encontramos nos três evangelhos sinóticos os episódios que mostram o desejo de estar em postos importantes presente também no coração dos discípulos. (Cf. Mt 20,20-28; Mc 10,35-45; Lc 9,46-48; 22,24-27). Os episódios vêm narrados em Mateus e em Marcos logo após Jesus anunciar-lhes que Ele, o Messias, deveria sofrer a paixão e morte ( Cf Mt 20,17-19; Mc 10,32-34). . Em Lucas a discussão sobre quem deles seria o maior aparece logo depois da instituição da Eucaristia e do anúncio da traição de Judas, pouco antes da agonia de Jesus no jardim das oliveiras. São Lucas anotou; “Houve também uma discussão entre eles: qual seria o maior? Jesus lhes disse: os reis das nações as dominam e os que a tiranizam são chamados de Benfeitores. Quanto a vós, não deverá ser assim; pelo contrário, o maior dentre vós torne-se como o mais jovem, e o que governa como aquele que serve. Pois qual é o maior: o que está à mesa ou aquele que serve? Não é aquele que está à mesa? Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22,24-27). Na narrativa de Mateus (20,20-28) a mãe de Tiago e de João acompanha os filhos no pedido de se assentarem, um à direita e outro à esquerda de Jesus, quando Ele tivesse implantado seu reino no mundo. Esse pedido desencadeia entre os outros discípulos indignação, ciúme. A intervenção de Jesus tem o mesmo conteúdo que a descrita em Lucas e em Marcos com esse desfecho: “Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos”(Mc 10, 45). A insistência nesse aspecto de miséria do ser humano, necessitado da reverência, da submissão e da subserviência do outro, revela o quanto “o sereis como deuses” do capítulo terceiro do livro do Gênesis (3,5) se entranhou na alma da humanidade. Aí mora a resistência em reconhecer Deus como Senhor e Pai e, consequentemente, em reconhecer o outro como irmão a quem devemos servir. Riqueza e poder se reforçam mutuamente. Há o avarento que o é por insegurança. O poderoso, porém, necessita da riqueza para alicerçar o pedestal que o eleva acima dos demais e lhe dá a ilusão de onipotência. Mas, não é verdade que em todos nós, como uma erva daninha, sempre de novo brota o desejo de estar em posto mais elevado? A obsessão por cargos e funções de mando cria no seio das instituições as grandes e as pequenas guerras que infernizam a convivência humana. Jesus nos preveniu, nos episódios acima narrados, contra essa erva daninha: “Quanto a vós, não deverá ser assim; pelo contrário, o maior dentre vós torne-se como o mais jovem, e o que governa como aquele que serve. Interessante a observação de Jesus de que “os reis das nações as dominam e os que a tiranizam são chamados de Benfeitores”. É que os poderosos são admirados pelos que, não tendo poder, se sentem amparados na proximidade com eles. São adoradores do poder e “felizes” na subserviência: contentam-se com o aquecer-se à sombra do potentado. A “generosidade” do poderoso é a esmola com que ele recompensa seus admiradores e a forma como ele próprio alimenta a ilusão de ser o protetor dos pobres e dos fracos. Mas, ai do discordante! Esse será excluído da roda dos beneficiados do poder. “Entre vós não deverá ser assim”(Mt 20,26). Mais adiante Jesus dirá: “todos vós sois irmãos”(Mt23,8). Quando comecei a escrever esses últimos artigos, eu me referi à expressão “avanço”, quase sempre empregada para ressaltar a liberdade do indivíduo para fazer as escolhas que mais lhe convierem. Aos “sereis como Deus”, a serpente acrescentou: “conhecedores do bem e do mal”(Gên 3,5), capazes de determinar para si mesmos, sem outras referências que não o próprio arbítrio, o que é o bem e o mal. À pretensão de ser Deus por parte do ser humano, o próprio Deus responde fazendo-se homem. Bento XVI assim comenta o texto de Paulo (Fl 2,5-11): “Na Cruz de Cristo o homem é remido e a experiência de Adão é cancelada: Adão, criado à imagem e semelhança de Deus, pretendeu ser como Deus com as próprias forças, colocar-se no lugar de Deus, e assim perdeu a dignidade originária que lhe fora atribuída. Ao contrário, Jesus estava «na condição de Deus», mas rebaixou-se, entrou na condição humana, em total fidelidade ao Pai, para redimir o Adão que está em nós e restituir ao homem a dignidade que perdera. Os Padres realçam que Ele se fez obediente, restituindo à natureza humana, através da sua humanidade e obediência, o que se tinha perdido por causa da desobediência de Adão”. Embora não se possa obrigar através de leis que todos percorram esse caminho, seria muito bom que as leis humanas ajudassem a criar a cultura do serviço. A pergunta é: eu me sirvo de minha função ou sirvo aos irmãos no exercício de minha função?




Os discípulos e a sexualidade

Hoje, continuando a reflexão sobre “avanços” em nossa cultura, quero abordar a temática relativa à dimensão afetivo-sexual do ser humano. Os pretensos “avanços” propalados nessa área são: uso de preservativo, liberdade sexual, divórcio, legitimação e equiparação ao casamento de uniões de pessoas do mesmo sexo. Começo recordando a palavra de Jesus quando propôs o caminho da felicidade para os discípulos: “Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração...Foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe uma carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: Todo aquele que repudia sua mulher, a não ser em caso de fornicação, faz com que ela adultere; e aquele que se casa com a repudiada comete adultério.( Cf. Mt 5,27-32). Para os discípulos de Jesus essa palavra era também difícil de ser ouvida. Mais tarde Jesus, depois de responder aos fariseus que lhe perguntaram sobre o divórcio, retoma, em particular com eles, esse ensinamento. Foi assim: “Os fariseus vieram perguntar-lhe para pô-lo à prova: É permitido a um homem rejeitar sua mulher por um motivo qualquer? Respondeu-lhes Jesus: Não lestes que o Criador, no começo, fez o homem e a mulher e disse: Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher; e os dois formarão uma só carne? Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu. Disseram-lhe eles: Por que, então, Moisés ordenou dar um documento de divórcio à mulher, ao rejeitá-la? Jesus respondeu-lhes: É por causa da dureza de vosso coração que Moisés havia tolerado o repúdio das mulheres; mas no começo não foi assim. Ora, eu vos declaro que todo aquele que rejeita sua mulher, exceto no caso de matrimônio falso, e desposa uma outra, comete adultério. E aquele que desposa uma mulher rejeitada, comete também adultério. Seus discípulos disseram-lhe: Se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é melhor não se casar! Respondeu ele: Nem todos são capazes de compreender o sentido desta palavra, mas somente aqueles a quem foi dado. Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos céus. Quem puder compreender, compreenda. Foram-lhe, então, apresentadas algumas criancinhas para que pusesse as mãos sobre elas e orasse por elas. Os discípulos, porém, as afastavam. Disse-lhes Jesus: Deixai vir a mim estas criancinhas e não as impeçais, porque o Reino dos céus é para aqueles que se lhes assemelham. E, depois de impor-lhes as mãos, continuou seu caminho”( Mt 19,1-15).

Jesus, nessa fala, explica por que Moisés permitiu o divórcio: a dureza de coração dos homens. Aqui há um real avanço: a mulher não é objeto e o matrimônio é uma união estável onde a força unificante do amor, à semelhança do que acontece no mistério de Deus, faz dos dois uma única fonte de vida. Jesus ensina a igualdade de direitos e de deveres. Interessante que, na continuidade do ensino de Jesus sobre a indissolubilidade do matrimônio, aparecem as crianças trazidas para serem abençoadas. É direito das crianças que, geradas pela união de seus pais, recebam dessa união a segurança que necessitam para crescerem saudavelmente. As crianças se alimentam do amor que une seus pais. Precisam de um lar. Note o leitor que os discípulos estão, também eles, tomados por uma noção de matrimônio onde o homem é dono da mulher. Esta lhe deve total submissão. O evangelista anota: “Seus discípulos disseram-lhe: Se tal é a condição do homem da respeito da mulher, é melhor não se casar!”A resposta de Jesus é imediata: “Nem todos são capazes de compreender o sentido desta palavra, mas somente aqueles a quem foi dado. Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos céus. Quem puder compreender, compreenda”. Nessa fala Jesus coloca dentro do mesmo horizonte matrimônio e celibato. Ambos são uma forma de doação total e como tal só podem ser compreendidos com a ajuda da graça divina. O matrimônio, assumido no seu sentido pleno, é revelador do reino, encontro de Deus com a humanidade, em Cristo. A castidade celibatária, assumida como forma de servir a Deus, na oração e na dedicação às pessoas, é uma singular forma de manifestação do reino que está por vir em sua plenitude. É o verdadeiro amor que dá sentido ao casar-se e ao não se casar. Como seria bom que em nossas escolas isso fosse ensinado às nossas crianças e jovens! Isto, sim, seria um grande avanço no sentido da de uma sociedade mais justa e saudável.


Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues 

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Simão Cirineu ajuda Jesus carregar a cruz
Quinta Estação da Via Sacra



Os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas são concordes quanto ao fato e assim narram respectivamente a participação de Simão Cireneu no caminho do Calvário:
Mt 27,32: “Ao saírem, encontraram um cireneu, de nome Simão. E o requisitaram para que carregasse a Cruz”
 Mc 15,21: “Requisitaram um certo Simão Cirineu, que passava por ali vindo do campo, para que carregasse a Cruz. Era o pai de Alexandre e Rufo” (Cf Rom 16,13); Lc 23,26: Enquanto o levavam, tomaram um certo Simão Cirineu que vinha do campo, e impuseram-lhe a cruz para levá-la atrás de Jesus”

Os executores da sentença pronunciada contra Jesus perceberam que, em razão de seu esgotamento físico, Jesus não tinha condições de carregar a Cruz Pegaram então um passante, aparentemente alheio aos acontecimentos, e o obrigaram a carregar a Cruz de Jesus. Era um habitante da Cirenaica, da cidade de Cirene, onde havia uma numerosa população de judeus. A população judaica dessa província era tão significativa, que Jerusalém tinha orgulho de ter uma sinagoga dos libertos para os visitantes de Cirene (Cf. At 6,8). Cirene estava situada na região da atual Líbia. Simão era um desconhecido dos discípulos de Jesus Teria vindo para participar da festa da páscoa. Poderia ser um judeu da diáspora ou um pagão prosélito, em processo de adesão ao judaísmo. Simão foi pego ao acaso pois o requisitaram quando passava por ali “vindo do campo”. Foi obrigado a carregar a Cruz. Os evangelistas afirmam que a Cruz de Jesus mudou de ombros, passando para os braços do pobre Cireneu que a teria levado sozinho até o lugar da crucifixão. Muitas perguntas podemos levantar em torno da participação de Simão Cirineu no caminho e na crucifixão de Jesus: Como terá sido seu encontro com Jesus? Terá contemplado o rosto ferido de Jesus? Terá sido tocado pelo olhar de Jesus? Jesus terá lhe dirigido alguma palavra? Como se sentiu Simão carregando a cruz de um condenado? Sentiu-se humilhado? Permaneceu por perto da Cruz durante a crucifixão? O que lhe aconteceu depois dessa experiência? Tendo carregado a Cruz de Jesus, teria se tornado discípulo e testemunha da ressurreição? São Lucas, ao observar que Jasus ia à frente e ele, o Cirineu, carregava a cruz "atrás de Jesus" (Lc 23,26),  parece sugerir que o fato de Simão ter tomado sobre si a cruz de Jesus o tenha transformado em discípulo. Era isso que Jesus esperava do outro Simão, o filho de Jonas: ( Mc 8,33) quando lhe ordenou: “vai para trás de mim, satanás”. Simão havia censurado Jesus que, logo depois da confissão de fé de Pedro, lhes falou do sofrimento pelo qual Ele devia passar. O discípulo deve ir atrás de Jesus. Assim entendemos porque Lucas observa que Simão Cirineu toma cruz de Jesus e segue-o no caminho. O evangelista Marcos, ao anotar que Simão Cirineu era pai de Alexandre e Rufo, refere-se aos dois como muito conhecidos da comunidade. Isto nos leva a crer que o caminhar forçado do Cirineu, carregando a cruz de Jesus, transformou seu coração. Com certeza Jesus deve ter entrado na alma de Simão para nunca mais sair.É provável que Simão tenha ficado até o final da crucifixão de Jesus e tenha, com toda sua família, se tornado um discípulo fervoroso. São Paulo se refere na carta aos Romanos a um Rufo e à sua mãe, a quem ele considera também como sua (Rom !6,13). É possível que este Rufo seja o mesmo citado por Marcos como um dos filhos de Simão Cirineu.
Desta estação recebemos uma bela e necessária lição. Nada nos acontece por acaso, mesmo aquelas situações, imprevistas e dolorosas, que nos são impostas por circunstâncias alheias à nossa vontade são graça de Deus. Lembro-me de Paulo e Silas aprisionados em Filipos. Enquanto, “em oração, cantavam os louvores de Deus” (cf. At  16,16-24) veio um terremoto ao qual se seguiu a conversão e o batismo do carcereiro e de sua família. Para Paulo toda situação era oportunidade de louvar a Deus e anunciar o evangelho.  Aprendemos que quando assumimos a missão, com seus desafios e suas dores, entramos no seguimento de Jesus e aliviamos o peso de sua Cruz. Somos convidados a solidarizar-nos efetivamente com os que sofrem, aliviando-lhes seus sofrimentos pela nossa presença amorosa. Aprendemos ainda a aceitar com humildade que outros nos ajudem quando estamos vivendo situações especialmente difíceis. E que outras lições, prezado(a) irmão(ã), você mesmo pode colher desse encontro inesperado de Simão Cirineu com a cruz de Jesus?
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
(Artigo publicado no Jornal Diário de Sorocaba - 14.07.2013)




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A graça de crer

 


Se a existência humana se mostra como abertura para o mistério, então acolher na fé esse mistério é graça e, ao mesmo tempo, suprema realização da inteligência e da liberdade. Estamos naturalmente falando da revelação de Deus, à porta de quem a inteligência humana, pesquisando seus vestígios na natureza e na própria existência, vem postar-se na suplicante expectativa de que essa porta lhe seja aberta pela misericordiosa bondade daquele mesmo que a fez assim, faminta da suprema verdade. É nesse sentido que a carta encíclica “Fé e Razão” afirma que “uma implica a outra” (nº 17).
A revelação só é possível se a razão humana for capaz de recebê-la e reconhecê-la como manifestação livre, pessoal e generosa daquela Verdade que essa mesma razão sabia presente, embora oculta, como fundamento transcendente da própria existência e da existência da totalidade do universo. A fé, como resposta obediente á revelação divina, pressupõe, pois, que a razão humana, debruçando-se sobre a realidade criada, seja capaz de chegar ao conhecimento da existência e da bondade do Criador, estando por isso permanentemente aberta a uma possível revelação pessoal de Deus.
Por ser resposta à livre revelação de Deus, a fé é graça, fruto do sopro interior do Espírito na inteligência e no coração do ser humano: “a verdade que a Revelação nos dá a conhecer não é o fruto maduro ou o ponto culminante dum pensamento elaborado pela razão. Pelo contrário, aquela se apresenta com a característica da gratuidade, obriga a pensá-la, e pede para ser acolhida, como expressão de amor” (Fé e Razão, nº 15).Sem profunda humildade não se pode chegar a fé.
A razão nos leva à soleira do mistério. Pela revelação o mistério insondável de Deus se abre para nós como puro dom, revelando-se a nós e revelando para nós a razão última da grandeza e da dignidade de nossa inteligência: poder entrar na posse pessoal da verdade do próprio Deus. Esse encontro com a revelação abre para a razão um horizonte novo, inesperado e surpreendente, pois introduz-nos no inesgotável mistério da infinita e suprema verdade.
A fé jamais pode ser pensada como negação da inteligência; pelo contrário, ela é um ato de entrega amorosa e agradecida do ser humano ao mistério da verdade suprema, sua razão de ser e razão de sua incessante busca. Há pessoas que se gabam de ter uma religião cientificamente fundamentada, filosoficamente fundada e plenamente dentro dos limites da razão humana, sem mistérios.
Houve uma época – aí pelo se. XVIII – que alguns pensadores imaginaram uma religião puramente natural, sem revelação, fundada tão somente na capacidade da razão humana. Deus seria tão somente o supremo arquiteto, uma figura exigida pela lógica da razão para justificar a existência do universo. Um Deus assim teria as dimensões da razão humana; não seria Deus e nem seria capaz de responder ao anseio do coração humano à procura de uma verdade superabundante na qual ele pudesse saciar sua infinita fome de ser.
A verdade revelada é mistério não porque, impenetrável, lança nas trevas o entendimento humano, mas sim porque se constitui em um abismo de luz que inunda o pensar e o sentir do homem, oferecendo-se sempre de novo como resposta inesgotável ao infinito desejo da criatura finita. O ato de fé é, na terra, a realização suprema da inteligência humana feita que foi para consumar-se na posse da Verdade.
Crer, entretanto, é graça somente acolhida por aqueles que buscam de todo coração o mistério de Deus. Esses são os pequeninos a que se refere Jesus: “eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultastes estas coisas aos sábios e as revelastes aos pequeninos” (Mt 11, 25). Se desejamos crer, devemos cultivar um coração suplicante.
                                     Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues




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Reforma Política e Ética


As manifestações de rua de considerável parte da população, sobretudo jovem, revelam que nossa democracia está enferma. Que pensar de uma democracia representativa em que os representantes não representam de fato o povo que os elegeu? Esse divórcio está sendo sobejamente manifestado nas ruas de nossas cidades. Torna-se evidente a urgência de uma Reforma Política. É lamentável que os partidos políticos se tenham multiplicado excessivamente para atender interesses de pessoas e de grupos, sem a perspectiva do bem comum. Eis a lista dos atuais: PMDB, PTB, PDT, PT, DEM, PCdoB, PSB, PSDB,PTC, PSC, PRP, PV, PTdoB, PRTB, PP, PSTU,PCB, PHS, PSDC,PCO, PTN, PSL, PRB, PSOL, PR, PSD, PPL, PEN, MD. Não consigo traduzir a sigla desse enorme contingente de partidos.
As negociações do Poder Executivo com as lideranças partidárias para poder governar com maioria no Congresso Nacional constituem um espetáculo deprimente, submetendo com frequência a nobre atividade política a um doentio jogo de interesses.
Uma assembléia constituinte específica para a Reforma Política, aventada pela Presidente da República, já foi descartada como inconstitucional e substituída pela proposta de um plebiscito, quando a sociedade será consultada sobre alguns itens fundamentais da questão.
Na última reunião do Conselho Permanente da CNBB, nos dias 19, 20 e 21 de junho,  assumimos, em parceria com a OAB e o MCC (Movimentode Combate à Corrupção), empenhar-nos na viabilização de um projeto de Reforma Política de iniciativa popular, centrado em dois pontos fundamentais: a) financiamento público exclusivo de campanhas; b) mudanças no sistema eleitoral onde se pudesse conjugar, de alguma forma, voto no partido e voto na pessoa do candidato. Mas é evidente que há outros aspectos que devem entrar no plebiscito.
Mas, além da Reforma Política, é necessária uma consistente formação política que possibilite a todos compreenderem a importância da Política como dimensão fundamental da vida em sociedade. As manifestações de rua, com o passar do tempo, cairão no vazio se não forem iluminadas por uma sólida filosofia política que permita aos cidadãos situarem sua vida e suas opções dentro do contexto mais amplo de uma compreensão de como deve ser a dinâmica da vida social em todos os seus aspectos. Falar em filosofia política significa buscar a compreensão da razão de ser da sociedade, da polis, tema sobre o qual os antigos refletiram com profundidade. Falar em filosofia política é abrir espaço para pensar e consolidar princípios morais que orientem, em todas as suas dimensões, a organização e a vida da Cidade.  A Política não pode ser refém da economia, sobretudo quando esta se organiza exclusivamente em função do lucro. Pelo contrário à Política compete a tarefa de regulamentar a atividade econômica de modo que esta se coloque a serviço da vida. A alma da Política é, - assim entendeu Aristóteles - , a ética donde devem brotar normas que regulamentem a vida em sociedade. Mais importante ainda: todos os cidadãos devem ser conscientes de que sem solidariedade não é possível construir uma Cidade onde todos possam ser felizes. Donde a necessidade de formar para a prática das virtudes, especialmente para a justiça. A Política é a ciência e a arte de construir o Bem Comum. Em sua primeira encíclica o Papa Bento XVI nos lembrava: “A justa ordem da sociedade e do Estado é dever central da Política. Um Estado, que não se regesse segundo a justiça, reduzir-se-ia a um grande bando de ladrões, como disse Agostinho uma vez: Remota itaque iustitia quid sunt regna nisi magna latrocinia?” Nossas escolas, em todos os níveis, deveriam ser o espaço principal de formação para a cidadania e não apenas para o mercado e muito menos para uma liberdade sem limites. A formação para a cidadania implica a consciência dos direitos com a noção e a prática correspondente dos deveres. Exige ainda a capacidade de conviver fraternalmente com a diversidade sempre na busca sincera por parte de todos do que é melhor para todos. Como faria bem o ensino de Filosofia Política em todos os cursos de nossas universidades na linha do pensamento de Michael Sandel! Este esteve recentemente no Brasil e “defende um resgate dos princípios e das convicções morais diante da lógica de mercado, em contraponto aos que pregam soluções técnicas e ênfase apenas nos resultados”. Faria bem a todos nós diante das várias formas de fundamentalismo, inclusive o laicista, ouvir Sandel: “Então, a política precisa estar aberta às convicções morais dos cidadãos, não importa a origem. Alguns cidadãos extraem convicções morais de sua fé, enquanto outros são inspirados por fontes não religiosas. Não acho que devamos discriminar as origens das convicções ou excluir uma delas. O que importa  é o debate ser conduzido com respeito mútuo”. Vivemos, em linguagem cristã, um momento de graça. Não podemos desperdiçar esse momento.

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Artigo publicado no Jornal Cruzeiro do Sul - 30.06.2013


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A lei não muda o coração







As leis humanas são boas quando correspondem à dignidade da pessoa e promovem a justiça e, consequentemente, a paz social. Infelizmente há leis que não são boas: aquelas que introduzem o relaxamento dos costumes, incentivando os vícios, destruindo a família e semeando a morte. Tenho escutado, com frequência, personalidades influentes afirmarem que o Brasil está vivendo um momento histórico de singular importância em razão das manifestações de rua a reclamarem mudanças nas estruturas que fazem o tecido de nossa democracia. É verdade. São necessárias medidas que coloquem nossas instituições a serviço do Bem Comum. É preciso arrancá-las do controle de grupos muitas vezes desatentos ao bem comum, sobretudo ao bem dos mais pobres. Na pauta dessas mudanças está, em primeiríssimo lugar, a Reforma Política uma vez que a insatisfação mostrada nas ruas revela um distanciamento de nossa representação política dos anseios e das necessidades mais básicas da população. Fica, entretanto, a pergunta: qual será a extensão e a profundidade dessa reforma? Mas atenção! Por melhores que sejam as leis se não houver cidadãos novos, capazes de solidariedade e empenhados na busca do Bem Comum, as leis morrem estéreis sem produzirem o resultado esperado. Donde a necessidade de uma educação para a cidadania vazada em princípios morais e que incentive a prática das virtudes cardeais: Prudência, Fortaleza, Temperança e Justiça. Para o sábio Aristóteles se não se educa para a virtude não é possível construir um sociedade feliz. Vem inevitavelmente a pergunta: nessa matéria o que está sendo ensinado em nossas escolas às novas gerações?

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Artigo publicado no  Jornal Bom Dia - 30.06.2013)


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Reforma do Estado


O presente artigo, publicado em janeiro de 2011, termina citando o documento da CNBB "Por uma Reforma do Estado Democrático". Publico-o novamente para estimular a leitura e a reflexão sobre a questão.
Os debates que precederam a votação do segundo turno das eleições presidenciais não aprofundaram a reflexão sobre questões fundamentais da vida social e política do País. Não enfrentaram também questões cujo debate pudesse significar perda de votos, como por ex., o retorno da CPMF ou algo equivalente, que agora volta como se fosse apenas interesse de governadores. Em artigo, por mim publicado na imprensa local, levantei algumas questões referentes ao papel do Estado no que diz respeito à vida da sociedade em vários de seus aspectos.
O ponto de partida do artigo tinha a ver com o fim da guerra fria quando ideologias diametralmente opostas disputavam o controle do mundo. "A queda do muro de Berlim com o desmoronamento do comunismo na Rússia e adjacências revelou sua ineficácia econômica e a natureza perversa do Estado totalitário, que havia criado uma nova classe, a classe dos burocratas ricos e ineficientes, no entendimento do escritor iugoslavo revisionista, Milovan Djilas (Escreveu "A Nova Classe" em 1957). Por coibir a iniciativa particular o comunismo se revelou ineficiente no empenho de produzir e destruiu a participação na esfera política. O fim da era comunista foi saudado por muitos como o fim da história, ou seja, a forma perfeita e insuperável de organização da sociedade seria definitivamente a liberal.
Alguns chegaram até mesmo a preconizar o fim do Estado, como instância ordenadora da vida social. A China, por sua vez, importou, para alavancar seu desenvolvimento, o espírito e a forma empreendedora do capitalismo na economia, terceirizando a atividade econômica e mantendo o controle político da sociedade. E fica a pergunta: entre este tipo de Estado e o Estado totalitário de direita, qual a diferença? Por outro lado a recente crise econômico-financeira que abalou o mundo está a indicar que uma ordem econômica largada a si mesma gera o caos. Sobre isso adverte-nos Bento XVI em sua encíclica "Caritas in Veritate: "A economia integrada dos nossos dias não elimina a função dos Estados, antes obriga os governos a uma colaboração recíproca mais intensa. Razões de sabedoria e prudência sugerem que não se proclame depressa demais o fim do Estado; relativamente à solução da crise atual, a sua função parece destinada a crescer, readquirindo muitas das suas competências." Donde a necessidade da presença do Estado para garantir uma justa ordem econômica e social no interior de cada nação e de uma instância supranacional com mais poder, representativa da comunidade das nações, para orientar e propor normas que regulem as relações entre elas.
Sob o título de "Por uma Reforma do Estado com Participação Democrática", a CNBB publicou um breve estudo onde avalia a crise política atual e propõe saídas para a mesma. (Doc. 81). Na impossibilidade de apresentar uma síntese significativa do documento, transcrevo algumas afirmações com o objetivo de estimular o leitor ao estudo do documento. Citando Bento XVI: "Atualmente, o Estado encontra-se na situação de ter de enfrentar as limitações que são impostas à sua soberania pelo novo contexto econômico comercial e financeiro internacional, caracterizado nomeadamente por uma crescente mobilidade dos capitais financeiros e dos meios de produção materiais e imateriais. Este novo contexto alterou o poder político dos Estados" (Caritas in Veritate,n. 21).
Ainda: é necessária "uma renovada avaliação do seu papel e poder (do Estado), que deverão ser sapientemente reconsiderados e reavaliados para se tornarem capazes, inclusive através de novas modalidades de exercício, de fazer frente aos desafios do mundo atual. Com uma função melhor calibrada dos poderes públicos, é previsível que sejam reforçadas as novas formas de participação na política nacional e internacional que se realizam através da ação das organizações operantes na sociedade civil; nesta linha, é desejável que cresçam uma atenção e uma participação mais sentidas na res publica por parte dos cidadãos"(idem  n. 24).
A proposta é que se passe de uma democracia simplesmente representativa para uma democracia participativa, onde o cidadão não seja mero eleitor, mas onde os vários sujeitos sociais acompanhem a atuação de seus representantes e exerçam real influência nas decisões a serem tomadas. Mas isto só será possível com uma boa reforma política. É lamentável que, mal finalizada a eleição para a Presidência da República, tenhamos que escutar expressões como esta: "loteamento de cargos". Por que se multiplicam os partidos? Precisamos de um Estado suficientemente estruturado que se coloque a serviço da sociedade, mais explicitamente da justiça social. É urgente, afirma o documento em pauta, "promover uma firme mobilização pelas reformas políticas que abram caminho para uma profunda reforma do Estado Brasileiro" (n. 110).

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Artigo publicado no Jornal Diário de Sorocaba - 30.06.2013

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Sem Deus
         não haverá Humanidade nova
                            Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues

Já o velho - sábio pagão – Aristóteles percebera que comandava a existência humana  o desejo da felicidade. Mas em que consiste a felicidade? Onde encontrá-la? Freud colocou nas raízes da ação humana o princípio do prazer. Nisto ele está perto de Aristóteles.  Mas, lendo Freud, fica-nos a sensação de que a vida civilizada, eticamente responsável, implica necessariamente sofrimento, renúncia à alegria de viver. Agostinho de Hipona, ainda pagão, deixou-se conduzir pelo desejo de ser feliz. Abriu duas frentes de busca: uma da inteligência, outra da concupiscência. Através da primeira peregrinou pelos caminhos da filosofia grega, detendo-se por um bom tempo no pensamento maniqueu, na tentativa de compreender o mistério do mal. Através da segunda envolveu-se em amores e afetos feitos de erotismo, que lhe deram um filho, Adeodato.
Assim Agostinho descreveu essa experiência: “Para mim, o amor era muito mais doce se pudesse gozar do corpo da pessoa amada. Assim, conspurcava a fonte da amizade com a sórdida luxúria, e ofuscava sua luz com as paixões infernais. Era repulsivo e vulgar, mas com vaidade me ataviava como se fosse pessoa elegante e refinada. Caí nos braços do amor, pelos quais quis ser envolvido” Mas sobreveio o vazio: “Deus meu, minha misericórdia, como foste bom ao derramar fel abundante sobre meus prazeres! Fui amado, e cheguei, por caminhos tortos, a gozar, satisfeito, das cadeias que me prendiam com laços de tormento, para depois sentir o ferro em brasa do ciúme, da suspeita, do temor, da cólera e das contendas”( Confissões, liv. III,1.1).
Seu coração continuava, pois, irrequieto, inquieto e atormentado. Professor de retórica em Milão, levado pelo desejo de conhecer o grande orador, Ambrósio, foi ouvi-lo. A questão da verdade se colocou para ele com novo vigor. Onde encontrar a felicidade? Lá onde ela estiver, lá é a pátria da verdade. Caro(a) leitor(a), o que é a verdade? Agostinho levou a sério a insatisfação de seu coração e a sede de sua inteligência. Já procurava, desde os começos da juventude, resposta para sua inquietação. Continuou procurando. Pesquisava, dentro, as razões e os anseios de seu coração e investigava fora, agora, nos livros sagrados do cristianismo, os caminhos que poderiam conduzir à plenitude da verdade. Chegou um momento em que tudo ficou claro. Ele não podia negar, seu coração continuava inquieto: não lhe respondiam aos anseios as experiências até então vividas. Sua inteligência começou a ver na proposta cristã a verdade que buscara nos filósofos gregos. Mas à verdade cristã só se chega plenamente pela entrega do coração. E seu coração relutava: “ia adiantada a decisão de desprezar as esperanças do mundo para seguir a Ti apenas”. E Agostinho dizia para si mesmo: “onde está tua eloqüência? Dizias não te livrares das vaidades por não teres certeza da verdade: agora a verdade está clara, mas ainda pesam sobre ti as vaidades”...”Com que dureza açoitei minha alma, para que me seguisse na direção de Ti! Ela, titubeante, não ia, nem negava; todos os argumentos eram rebatidos, refutados; restava-lhe apenas uma muda incerteza. Temia como à morte largar aqueles hábitos que a matavam pouco a pouco” (Liv. VIII, 7.18).
Santo Agostinho entrou em dolorosa agonia espiritual: “caído sob uma figueira, dei curso às lágrimas, que jorravam dos meus olhos como a fumaça de um sacrifício em tua honra...Sentia-me ainda preso ao meu passado, e por isso bradava em desespero: por quanto tempo direi ainda ‘amanhã, amanhã’? por que não agora? Por que não pôr fim logo à minha indignidade?” (Livro VIII, 12,28). A experiência de Agostinho confirma o que o Santo Padre, Bento XVI, afirmou: “uma sociedade em que Deus está ausente não encontra consenso necessário sobre os valores morais e a força para viver segundo esses valores, mesmo contra os próprios interesses”.  Encontrar a plenitude da verdade sem Deus não é possível e muito menos decidir-se a viver dela.
A inteligência de Agostinho, pela graça de Deus, tinha chegado a reconhecer a verdade. Seu coração, entretanto, não dava o passo da entrega. Mergulhado no desespero de sua impotência, com o coração cheio de amargura, Agostinho escuta a voz de um menino a cantarolar: “toma e lê...toma e lê”. Agostinho toma o livro da carta de Paulo aos Romanos, abre-o, lê e escuta: “não em orgias e bebedeiras, nem em luxúria e na libertinagem, não nas rixas e na inveja, mas revestí-vos do Senhor Jesus Cristo, e não sigais a carne em suas paixões”(Rom13,13-14). “Lida a passagem, todas as trevas da dúvida se dissolveram, como se uma luz de certeza se espalhasse em minha alma”(Lvro VIII, 12,29). Aqui começa a alegria de seguir pelo caminho das virtudes.
Agostinho foi então, depois de algum tempo, batizado junto com seu filho, Adeodato, “fruto do meu pecado”. “Fomos batizados, e assim libertos de qualquer preocupação relativa ao passado”(Livro IX, 6.14). Começou uma vida nova.


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Jesus e a Samaritana by domeduardobsr
 



ATENÇÃO:  
                                Para ampliar a letra do artigo 
                                  JESUS e a Samaritana
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O importante é a rosa
 Em terras não muito distantes um grande amor envolvia em seus laços um príncipe e sua amada. Ele deveu partir para muito longe, mas voltaria um dia. Dura batalha o esperava. Era preciso salvar o reino de seu Pai. No encontro de despedida, no último abraço, ele deixou nas mãos de sua amada um delicado presente: uma linda rosa vermelha. E lhe segredou com voz carregada de intensa emoção: “devo partir, voltarei um dia para levá-la comigo. Sentirás saudade. Toma esta rosa. Ela jamais perderá seu viço e sua beleza. Deves guardá-la com carinho. Tua saudade, no contato com ela, se transformará em esperança. Terás teus olhos fixos no futuro e viverás com alegria, aguardando o dia de nossas núpcias definitivas”. O noivo partiu. Nas mãos da noiva ficou a rosa vermelha, da cor do manto do príncipe. Sempre que a saudade começava a tomar ares de tristeza, ela estreitava a rosa contra seu peito e sentia reavivar-se por dentro o calor do afeto de seu amado, como quando ele a abraçava. A rosa era guardada em relicário de ouro e nunca perdeu seu viço e a força de renovar-lhe a esperança. Aquelas pétalas estavam tomadas pela magia do amor e lembravam o manto através do qual ela o reconhecia quando, ainda longe, vinha-lhe ao encontro. 
Meu caro(a) leitor(a), você é parte dessa noiva e sempre de novo reaviva a saudade do príncipe que deu a vida por você em dura batalha. Ele, antes de partir, deu-nos seu Corpo e Sangue, como memória de seu amor-entrega, para enlaçar-nos sempre mais em sua ternura sustentando-nos na esperança do encontro definitivo. A Igreja tem todos os dias, todos os instantes, em suas mãos, esse presente no qual o Senhor se esconde e se doa a ela em ato de infinito amor para que ela d’Ele viva em vida abundante. Na  festa de “Corpus Christi” – revivemos, festiva e publicamente, esse extraordinário acontecimento. Proclamamos pelas ruas de nossa cidade que Ele vive e está no meio de nós e que nós o encontramos singularmente presente nos sinais do pão e do vinho consagrados. Todos os domingos - muitos de nós todos os dias - o aclamamos exclamando: “anunciamos, Senhor, vossa morte e proclamamos vossa ressurreição, vinde Senhor Jesus.” A Eucaristia é memorial, memória, da morte de Jesus, anúncio de sua ressurreição e esperança de seu retorno.  Ele, antes de sofrer, em ato de infinito amor e em desejo de continuar conosco, tomou o pão e disse: “tomai e comei, isto é o meu corpo, que é entregue por vós” e depois: tomai e bebei, este é o cálice de meu Sangue, sangue da nova e eterna aliança, derramado por vós e por todos para a remissão dos pecados”. Sempre que ouvimos essas palavras lembramo-nos de que Ele deu a vida por nós, mais ainda, fazemos a experiência de tê-lo conosco no ato de doar-se ao Pai pela nossa salvação e nos deixamos envolver  por esse amor que chega até nós, nos conduz ao Pai e nos congrega como irmãos em um só corpo. Santo Tomás assim se refere a esse dom: “Seu corpo Ele o ofereceu a Deus Pai como sacrifício no altar da cruz, para nossa reconciliação; seu sangue, Ele o derramou ao mesmo tempo como preço de nosso resgate e purificação de todos os nossos pecados. Mas, a fim de que permanecesse sempre entre nós o memorial de tão imenso benefício, Ele deixou aos fieis, sob as aparências de pão e vinho, seu corpo como alimento e seu sangue como bebida”. E mais adiante: “Ninguém, seria capaz de expressar a suavidade deste sacramento; nele se pode saborear a doçura espiritual em sua própria fonte; torna-se presente a memória daquele imenso e inefável amor que Cristo demonstrou para conosco em sua paixão”. E ainda: “A Eucaristia é o memorial perene de sua Paixão, o cumprimento perfeito das figuras da Antiga Aliança e o maior de todos os milagres que Cristo realizou. É ainda singular conforto que Ele deixou para os que se entristecem com sua ausência”. Santo Tomás afirma ser a Eucaristia o maior de todos os milagres. Milagre, invenção de amor. A substância do pão e do vinho não pôde resistir a tão infinito amor e se converteu no corpo e sangue do Senhor. Vestido com a roupagem de pão e de vinho, Ele é nossa vida e nos alimenta no caminho até que sejamos totalmente transfigurados pela sua presença gloriosa. AMÉM.   
(Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues)




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Três Festas

A revelação de Deus se completou com a manifestação do Espírito Santo. Ele dá testemunho do Pai e do Filho, sendo Ele mesmo pessoa, expressão pessoal da comunhão divina, introduzindo-nos no mistério da Trindade una. Nesses dias a Igreja está a celebrar três festas que condensam para nós a infinita riqueza da comunicação de Deus conosco: a SS. Trindade, Corpus Christi e Sagrado Coração de Jesus, respectivamente nos dias 26 e 30 de maio e 7 de junho.

O grande mistério, origem e destino do universo, é a Trindade Santa: Deus Pai, Filho e Espírito Santo, Deus-Amor. Mais de uma vez Jesus afirmou “Eu e o Pai somos Um”(Jo 10,30). Este ser Um com o Pai significa uma comunhão profunda no ser e no agir: “o Pai está em mim e eu no Pai”(Jo 10,38). Esta comunhão é uma comunhão de amor, no Espírito Santo. São João assim definiu Deus: “Deus é Amor”( I Jo 4,8). Dirá mais tarde Santo Tomás: Amor Subsistente. No capítulo 17 do evangelho de João Jesus assim se dirige ao Pai: “e agora, Pai, glorifica-me junto de ti mesmo, com a glória que eu tinha, junto de ti, antes que o mundo existisse”( v.5). Em outra ocasião Ele afirmara: “antes que Abraão existisse Eu Sou”(Jo 8,58). Assim os discípulos compreenderam a origem eterna de Jesus e Tomé pôde exclamar, ao contemplar a humanidade do ressuscitado: “meu Senhor e meu Deus”(Jo 20,28). Aquele homem, Jesus de Nazaré, é verdadeiramente Deus, mais precisamente, o Verbo eterno pelo qual o Pai criou todas as coisas, as visíveis e as invisíveis.

Ele é o Verbo feito carne no seio de Maria, por obra do Espírito Santo. Compreendemos então o significado profundo da devoção ao Coração de Jesus. É o coração humano de Deus-Filho. Ali mora o Pai que lhe dá seu amor inteiro, infinito, no Espírito Santo, tal como se manifestou no batismo de Jesus. O Coração de Jesus é um coração onde faz morada a relação filial que desde sempre subsiste no mistério de Deus: “O Pai me ama e eu amo o Pai”. A eterna relação de amor Pai-Filho se comunica a nós na humanidade de Jesus. Por isso o Coração de Jesus tem a plenitude do Espírito Santo, é um Coração abrasado de infinito amor. É São João quem nos legou a cena do soldado atravessando o coração de Cristo com uma lança, observando: “...e imediatamente saiu sangue e água”. Os padres da Igreja viram nesse acontecimento um precioso símbolo da nascimento da Igreja: a água remetendo-nos ao batismo e o sangue à eucaristia. Do lado aberto de Cristo nasce a Igreja, nova Eva, a humanidade nova. Pela sua paixão e morte Jesus se entrega inteiramente à humanidade, purificando-a para a ela se unir, comunicando-lhe vida abundante. O Coração transpassado de Cristo testemunha esse incomensurável amor. E o Espírito dá testemunho em nosso coração de que somos, no Filho, filhos amados de Deus, agora nosso Pai. São João nos ensina: “são três que dão testemunho: o Espírito, a água e o sangue”( I Jo 5,7-8).

E continua: “e nisto consiste o testemunho: Deus nos deu a vida eterna, e esta vida está em seu Filho. Quem tem o Filho, tem a vida; quem não tem o Filho, não tem a vida”(Jô 5,11-12). A devoção ao Coração de Jesus nos conduz para dentro desse mistério de amor e de vida. Ter o próprio coração entrelaçado com o de Cristo é estar mergulhado no mistério de amor que é o próprio Deus. O Batismo introduziu-nos nesse mistério. A Eucaristia aprofunda sempre mais nossa comunhão com Cristo e, n’Ele, com o Pai e com todos os seres humanos, em primeiro lugar com os que conosco constituem o Corpo Místico, que é a Igreja. A Eucaristia é, pois, o grande sacramento do encontro de Deus conosco. Prolonga o mistério da encarnação: o Verbo Encarnado, pão descido do céu para a vida do mundo (Cf. Jo 6,35), se faz pão-alimeto nas mesas-altares de nossas comunidades (Jo 6,51). Corpus Christi é a festa em que a Igreja se alegra e proclama publicamente sua fé na Eucaristia, presença daquele que doou sua vida para que vivêssemos a plenitude da vida: “Como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo do Pai, assim viverá de mim quem de mim se alimenta... Quem come deste pão viverá para sempre”( Jo 6,57-58). A Eucaristia é ainda a presença da entrega de Jesus. O ato de amor com que Jesus ofereceu sua vida na Cruz se faz realmente presente na celebração eucarística. Ali está Jesus, por força das santas palavras da consagração, entregando-se a nós e unindo-nos à sua entrega ao Pai, feita na Cruz de uma vez para sempre. Tanto quanto Nossa Senhora, ao pé da cruz, nós entramos no ato de amor com que Jesus se entregou ao Pai pela nossa salvação.

Depois comungamos, recebemos o corpo e sangue do Senhor, corpo glorioso, mas dado na Cruz, naquela sexta feira santa, e sangue transfigurado, mas derramado naquele dia para a remissão de nossos pecados, sangue da nova e eterna aliança. Na eucaristia o Coração de Jesus providenciou um meio de perpetuar sua presença redentora no meio de nós. Na despedida - era preciso que Ele voltasse para o Pai – Ele quis ficar, disfarçado, mas muito realmente, nos sinais do pão e do vinho, para que nunca nos esquecêssemos de que Ele morreu por nós e de que, ressuscitado, d’Ele e com Ele deveríamos viver, em profunda comunhão. Mês de junho, Mês abençoado!

                                       Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues



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A Trindade



A Trindade é nossa origem e nosso destino definitivo. Quis também estar conosco no caminho de nossa existência histórica. A Igreja nasce da Trindade Santa: o Pai envia o Filho como nosso Redentor e pelo Filho ressuscitado, dá-nos o Espírito Santo. Somos assim - ensina-nos São Cipriano -: “o povo reunido na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo”(LG 4). Assim fomos batizados e assim iniciamos nossas orações: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Filhos no Filho, pela ação do Espírito, “clamamos: Abba, Pai”. Formamos em Cristo um só Corpo e, com ele somos templos do Espírito Santo, amados como ele pelo Pai. A vivência desse mistério se revela na caridade: o amor de Deus no meio de nós dando alma e vida à nossa convivência. João Paulo II, na sua Carta Apostólica “Novo Millennio Ineunte” propôs-nos este ideal: “Fazer da Igreja a casa a escola da comunhão: eis o grande desafio que nos espera no milênio que começa, se quisermos ser fiéis ao desígnio de Deus e corresponder às expectativas mais profundas do mundo” (NMI. 43). Lembro que a terceira conferência do episcopado latino-americano, em Puebla (27/11 a 13/12 de 1979), teve como pano de fundo de suas propostas a Comunhão, entendida como participação no mistério trinitário, e que haveria de se traduzir na prática cristã como participação, buscando sempre a unidade.  Assim: “Depois da proclamação de Cristo que nos revela o Pai e nos dá seu Espírito, chegamos a desco­brir as raízes últimas de nossa comunhão e participação (211). Revela-nos Cristo que a vida divina, é comunhão trinitária. Pai, Filho e Espírito vivem, em perfeita inter-comunhão de amor, o mistério supremo da unidade. Daqui procede todo amor e toda comu­nhão, para a grandeza e dignidade da existência humana”(212). A comunhão com Deus, traduzida em comunhão fraterna, é o testemunho maior pelo qual Deus se revela no mundo. Assim orou Jesus antes de padecer: ”Que todos sejam um, como tu, Pai estás em mim e eu em ti; que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste”(Jo 17,21). A comunhão verdadeira, vivida na Igreja, na paróquia, nas pequenas comunidades, nas famílias cristãs e nos grupos de oração, leva à missão. A Trindade Santa se abriu para nós, veio até nós para fazer-nos participantes de sua vida de amor. Quem entra nessa comunhão aprende que deve ir até os outros para convidá-los, através de um amor sincero, a participarem dessa comunhão. O serviço ao próximo, a presença junto do irmão que sofre e o empenho em anunciar o evangelho àqueles que estão afastados é missão de todo cristão verdadeiramente convertido a Jesus Cristo. A Eucaristia deve ser a fonte permanente de sustentação da comunhão e da missão. Pela Eucaristia entregamos nossa vida ao Pai, pelo Filho no Espírito Santo e na Eucaristia aprofundamos nossa comunhão com nosso Deus, Uno e Trino. Ela é a mesa da Trindade. Que nossas comunidades  sejam instrumento de comunicação do amor do Deus-Trindade a todos os irmãos a quem o Senhor nos envia em missão! 

 Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues


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Aborto? Direito?
A propósito do despropósito do Conselho Federal de Medicina do Brasil em julgar direito da gestante desfazer-se do ser humano em gestação nas doze primeiras semanas de gestação, levo até o leitor artigo que publiquei quando os legisladores portugueses, em 2007, julgaram justo o abortamento até a décima semana de gestação.

Portugal acaba de legalizar a prática do crime do abortamento. Haverá por lá vidas humanas que até a décima semana poderão ser ceifadas. Deixou de ser crime. Fica por conta da gestante, orientada por especialistas, tomar a decisão. Autorizado e instado pela gestante, o médico deixará de ser o carrasco a executar um inocente indefeso, para se tornar o parceiro do direito feminino de eliminar “o injusto agressor”.  Mas, se tiver passado mais de dez semanas - suponhamos onze semanas -, o mesmo médico estará cometendo um crime infame. Pode-se então perguntar: que critérios levaram a permitir o abortamento até a décima semana e a negá-lo no resto do tempo de gestação?  A vida do feto humano vale mais nas semanas seguintes? Quando a vida humana começa a ter valor? Antes do parto a gestante - e com ela a sociedade - pode dispor da vida em formação? São mais conseqüentes, em sua insensibilidade moral, aqueles que defendem o abortamento em qualquer etapa da gestação. E mais conseqüentes ainda serão se propuserem a eliminação pura e simples dos recém-nascidos que trouxerem grave incômodo aos pais ou à sociedade pelas mais variadas razões. Como é facilmente verificável por pessoas que conservaram um mínimo de sensibilidade moral, a legalização do abortamento é fruto da arbitrariedade e da prepotência. É uma brutalidade, embora os brutos nunca abortem. Há quem tente justificar o abortamento para os casos em que a mulher tenha sido vítima de violência sexual. Há que se reconhecer a real dificuldade para a mulher de levar avante tal gravidez. Mas, se ela escutar as batidas do coração do bebê que, com todo o carinho, seu corpo de mulher alimenta e protege, ser-lhe-á difícil silenciar-lhe seu desejo de viver. Oxalá, então, toda a sociedade se coloque a seu lado para ajudá-la a transformar sua dor em fonte de vida para o filho que cresce em suas entranhas. Legalizar o abortamento é aceitar que se cometa uma violência maior que a do estupro.
Há argumentos a favor da legalização do abortamento que são fruto de uma concepção amoral da existência. Nosso ministro da saúde, por ocasião da prisão de uma pobre moça que procurou o abortamento através da ingestão de droga, se mostrou favorável a descriminalização da prática. Como a moça que tomou essa providência já estava no quarto mês de gestação, parece que o ministro é de opinião que o abortamento poderá acontecer em qualquer fase da gravidez. No que ele é bastante lógico, pois de fato a vida humana é a mesma no início e no fim da gravidez. Preocupado com as reações públicas à sua posição, o ministro afirmou que era, ele também, a favor da vida. Mas concluiu dizendo que era preciso pensar, na “situação de fato”, nos riscos de vida para a mãe nas clínicas clandestinas e nos abortos sem assistência médica. O argumento é, pois, esse: o fato da prática em alta escala(?) do abortamento em clínicas clandestinas e em outras situações – com risco para a mulher – autoriza a sociedade legalizar sua prática. Do fato – não importa se é um bem ou não – parte-se para o direito. Assim se pensa também em relação ao jogo do bicho e a outras tantas realidades da vida em sociedade. É o argumento do “Já que”. A moral não passa de “ciência dos costumes”, entendida não como instância que avalia os costumes, mas como codificação dos costumes estabelecidos. Em tal contexto cultural educar para a virtude torna-se uma tarefa quase impossível. É mais fácil a filosofia do “Já que”. O embrião ou feto é vida humana em processo como a minha e a sua, caro leitor, e, por isso deve ser protegida pela sociedade. Na verdade só teremos acabado de nascer ao morrer. Temos um destino eterno. Nossa vida, desde a concepção é sagrada.
Por isso é absurdo submeter à consulta popular - a plebiscito -, a descriminalização do abortamento. Imaginem uma consulta popular no Irã sobre uma possível execução dos soldados ingleses aprisionados em águas iranianas. Supõe-se que os dirigentes de uma nação tenham suficiente discernimento para resguardarem os direitos fundamentais do ser humano e suficiente formação moral para discernirem entre o bem e o mal. E é obrigação deles esclarecer a sociedade sobre as exigências concretas de respeito à dignidade humana e da procura do bem comum. Há valores que não dependem da votação da maioria. Soube que existe no Congresso Nacional a proposta de se promover uma consulta popular – um plebiscito – sobre a legalização do aborto. É absolutamente destituída de sentido ético tal iniciativa uma vez que só o fato de abrir tal consulta está a ensinar que se pode eliminar uma vida inocente e indefesa. Não faz muito tempo assisti em DVD a um abortamento. Vi uma criança de 12 semanas ser arrancada aos pedaços de sob o coração da mãe. Foi uma cena horrível. O Dr. Bernard Nathanson, cognominado o “Rei do Aborto”, diretor de uma clínica especializada em abortamento nos EUA, depois de assistir o DVD de um aborto que ele mesmo fizera, - ele fizera tantos outros -, horrorizado, converteu-se no apóstolo do “direito de nascer” e é ele mesmo quem, em magistral aula, descreve, no DVD que assisti, o violento procedimento do abortamento. O aborto é um crime - para quem crê em Deus, um pecado - praticado por muitas mãos, também pelas mãos daqueles que fazem leis que o tornam “legal”. Observação final: os laicistas argumentam que a fé não deve interferir nessas questões. A pura razão deve resolvê-las. Mas que lógica é esta que julga legítimo abortar até o terceiro mês de gestação. Por que não nas semanas seguintes? A reta e correta racionalidade é esta: o ser humano inocente tem direito a viver.

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues







Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues

Já o velho - sábio pagão – Aristóteles percebera que comandava a existência humana  o desejo da felicidade. Mas em que consiste a felicidade? Onde encontrá-la? Freud colocou nas raízes da ação humana o princípio do prazer. Nisto ele está perto de Aristóteles.  Mas, lendo Freud, fica-nos a sensação de que a vida civilizada, eticamente responsável, implica necessariamente sofrimento, renúncia à alegria de viver. Agostinho de Hipona, ainda pagão, deixou-se conduzir pelo desejo de ser feliz. Abriu duas frentes de busca: uma da inteligência, outra da concupiscência. Através da primeira peregrinou pelos caminhos da filosofia grega, detendo-se por um bom tempo no pensamento maniqueu, na tentativa de compreender o mistério do mal. Através da segunda envolveu-se em amores e afetos feitos de erotismo, que lhe deram um filho, Adeodato.
Assim Agostinho descreveu essa experiência: “Para mim, o amor era muito mais doce se pudesse gozar do corpo da pessoa amada. Assim, conspurcava a fonte da amizade com a sórdida luxúria, e ofuscava sua luz com as paixões infernais. Era repulsivo e vulgar, mas com vaidade me ataviava como se fosse pessoa elegante e refinada. Caí nos braços do amor, pelos quais quis ser envolvido” Mas sobreveio o vazio: “Deus meu, minha misericórdia, como foste bom ao derramar fel abundante sobre meus prazeres! Fui amado, e cheguei, por caminhos tortos, a gozar, satisfeito, das cadeias que me prendiam com laços de tormento, para depois sentir o ferro em brasa do ciúme, da suspeita, do temor, da cólera e das contendas”( Confissões, liv. III,1.1).
Seu coração continuava, pois, irrequieto, inquieto e atormentado. Professor de retórica em Milão, levado pelo desejo de conhecer o grande orador, Ambrósio, foi ouvi-lo. A questão da verdade se colocou para ele com novo vigor. Onde encontrar a felicidade? Lá onde ela estiver, lá é a pátria da verdade. Caro(a) leitor(a), o que é a verdade? Agostinho levou a sério a insatisfação de seu coração e a sede de sua inteligência. Já procurava, desde os começos da juventude, resposta para sua inquietação. Continuou procurando. Pesquisava, dentro, as razões e os anseios de seu coração e investigava fora, agora, nos livros sagrados do cristianismo, os caminhos que poderiam conduzir à plenitude da verdade. Chegou um momento em que tudo ficou claro. Ele não podia negar, seu coração continuava inquieto: não lhe respondiam aos anseios as experiências até então vividas. Sua inteligência começou a ver na proposta cristã a verdade que buscara nos filósofos gregos. Mas à verdade cristã só se chega plenamente pela entrega do coração. E seu coração relutava: “ia adiantada a decisão de desprezar as esperanças do mundo para seguir a Ti apenas”. E Agostinho dizia para si mesmo: “onde está tua eloqüência? Dizias não te livrares das vaidades por não teres certeza da verdade: agora a verdade está clara, mas ainda pesam sobre ti as vaidades”...”Com que dureza açoitei minha alma, para que me seguisse na direção de Ti! Ela, titubeante, não ia, nem negava; todos os argumentos eram rebatidos, refutados; restava-lhe apenas uma muda incerteza. Temia como à morte largar aqueles hábitos que a matavam pouco a pouco” (Liv. VIII, 7.18).
Santo Agostinho entrou em dolorosa agonia espiritual: “caído sob uma figueira, dei curso às lágrimas, que jorravam dos meus olhos como a fumaça de um sacrifício em tua honra...Sentia-me ainda preso ao meu passado, e por isso bradava em desespero: por quanto tempo direi ainda ‘amanhã, amanhã’? por que não agora? Por que não pôr fim logo à minha indignidade?” (Livro VIII, 12,28). A experiência de Agostinho confirma o que o Santo Padre, Bento XVI, afirmou: “uma sociedade em que Deus está ausente não encontra consenso necessário sobre os valores morais e a força para viver segundo esses valores, mesmo contra os próprios interesses”.  Encontrar a plenitude da verdade sem Deus não é possível e muito menos decidir-se a viver dela.
A inteligência de Agostinho, pela graça de Deus, tinha chegado a reconhecer a verdade. Seu coração, entretanto, não dava o passo da entrega. Mergulhado no desespero de sua impotência, com o coração cheio de amargura, Agostinho escuta a voz de um menino a cantarolar: “toma e lê...toma e lê”. Agostinho toma o livro da carta de Paulo aos Romanos, abre-o, lê e escuta: “não em orgias e bebedeiras, nem em luxúria e na libertinagem, não nas rixas e na inveja, mas revestí-vos do Senhor Jesus Cristo, e não sigais a carne em suas paixões”(Rom13,13-14). “Lida a passagem, todas as trevas da dúvida se dissolveram, como se uma luz de certeza se espalhasse em minha alma”(Lvro VIII, 12,29). Aqui começa a alegria de seguir pelo caminho das virtudes.
Agostinho foi então, depois de algum tempo, batizado junto com seu filho, Adeodato, “fruto do meu pecado”. “Fomos batizados, e assim libertos de qualquer preocupação relativa ao passado”(Livro IX, 6.14). Começou uma vida nova.






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