90 anos da (Arqui)Diocese


Homilia da missa comemorativa dos 90 anos da (Arqui)Diocese de Sorocaba
A primeira leitura nos chama à alegria. O profeta Zacarias oferece a razão dessa alegria: um rei que chega para, enfim, trazer a Paz. Nós sabemos que na celebração litúrgica, nós não apenas recordamos um acontecimento que fica perdido no passado, mas, pela ação do Espírito Santo, entramos em comunhão com o mistério escondido no acontecimento. E o mistério escondido na profecia de Zacarias se revela plenamente em Cristo. É Ele o rei da paz, manso e humilde de coração, que nos convida a todos a aproximar-nos d’Ele para encontrar descanso de nossas cotidianas e, tantas vezes, dolorosas fadigas. Jesus louva o “Pai, Senhor do céu e da terra” porque ocultou “estas coisas aos sábios e doutores e as revelou aos pequeninos”. Na narrativa do mesmo fato por Lucas, esta prece de Jesus é situada logo após o retorno dos 72 discípulos da missão que Jesus lhes havia confiado, muito contentes pelo sucesso obtido. São Lucas introduz o louvor de Jesus dizendo que Ele “Naquele momento, exultou de alegria sob a ação do Espírito Santo”(Lc 10,21). Como é bom sentir que Jesus experimenta uma contagiante alegria ao perceber que os pequeninos acolhem a mensagem. Em sua narrativa São Lucas fecha o episódio com a palavra de Jesus dirigida diretamente aos discípulos: “e, voltando-se para os discípulos, disse-lhes a sós: Felizes os olhos que veem o que vós vedes! Pois eu vos digo que muitos profetas e reis quiseram ver o que vós vedes, mas não viram, ouvir o que vós ouvis, mas não ouviram”( 10,23-24).


Hoje queremos com Jesus louvar o Pai, exultantes de alegria no Espírito, pelos 90 anos de presença da Igreja em nossa terra. Houve durante todo esse tempo, discípulos missionários que anunciaram o evangelho e pequeninos que o escutaram e viveram, impregnando nossa história com o fermento bom do Reino de Deus. Houve apóstolos: o primeiro deles, Dom José Carlos de Aguirre e, em sua sucessão Dom José Melhado Campos e Dom José Lambert. E houve muitos discípulos: sacerdotes e diáconos, religiosos e religiosos, fieis leigos e leigas que regaram com seu amor o solo fértil de nossa Igreja. Por tudo isso nós bendizemos ao Pai.

Mas, caros irmãos e irmãs, qual o segredo, o mistério mais profundo da alegria de Jesus. Afinal, o que Ele nos traz? O que Ele nos oferece hoje? No coração do trecho do evangelho, hoje proclamado, Jesus abre para nós a razão mais profunda de sua alegria, revela-nos em que consiste o mistério do Reino: “Sim, Pai, porque assim foi de teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”(Mt 11, 26-27). Este pequeno trecho, chamado pelos exegetas de “logion” joanino, coloca-nos dentro do núcleo essencial do evangelho: o mistério de Deus que se entrega a nós. Entramos no mistério de Deus quando o Pai nos revela o Filho, como ouvimos Jesus a nos ensinar no domingo passado, quando disse a Pedro: “feliz és, Simão, porque não foi nem a carne, nem o sangue que te revelaram isso. Mas meu Pai que está nos céus”(cf. Mt 6,13-19).

O encontro com Cristo é graça do Pai que, pelo Espírito Santo, nos abre para seu mistério. Cristo, por sua vez, o Filho amado, no mesmo Espírito, nos coloca diante do Pai e nos revela seu infinito amor. Nisto consiste a essência da experiência cristã, razão de ser e coração da mensagem e da paixão, morte e ressurreição de Jesus.

Na Constituição Dogmática “Lumen Gentium” sobre a Igreja, do Concílio Vaticano II, no capítulo primeiro, “O Mistério da Igreja”, há uma citação de São Cipriano que diz tudo: “Desta maneira aparece a Igreja toda como ‘o povo reunido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo’ ”( LG n. 4).

Sobre esse mistério, o Mistério da Igreja, quero meditar com vocês um pouco mais. Em primeiro lugar dizer que esse mistério, essa vida com Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, é que nos faz Igreja. Somos templos de Deus: cada pessoa em particular e a Comunidade como um todo. Em Cristo, por ação do Espírito Santo, somos filhos e filhas amados do Pai, formando com Cristo um só corpo e peregrinando na história como Povo sacerdotal, régio e profético.

Ao celebrar os 90 anos de criação da nossa Diocese é bom recordar a definição de diocese que nos oferece o Concílio Vat II: “Diocese é uma porção do Povo de Deus, que se confia a um Bispo para que a apascente com a colaboração do presbitério, de tal modo que, unida ao seu pastor e reunida por ele no Espírito Santo por meio do Evangelho e da Eucaristia, constitui uma Igreja particular, na qual está e opera a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica.” (Vat. II, Christus Dominus, 11).

Quando falamos em diocese ou arquidiocese usamos uma linguagem jurídica muito pobre para dizer a realidade profunda que somos. Somos a Igreja de Cristo, viva e atuante, nesse pedaço de chão, mergulhada na história de nossa gente, testemunhando o mistério de Deus e iluminando a caminhada de nosso povo.

Nosso mistério, ou seja, nossa identidade profunda, é a comunhão com o Pai, com o Filho no Espírito Santo. Essa comunhão começou em nosso batismo, amadureceu pelo sacramento da confirmação e se alimenta permanentemente da Palavra e da Santa Eucaristia.

Nossa missão é testemunhar essa comunhão no coração do mundo como rezou Jesus: “para que todos sejam UM, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti: que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. Eu lhes dei a glória que me deste para que sejam um, como nós somos um: Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que me enviaste e os amaste com tu me amaste”( Jo 17, 21-23).

Nosso coração deve pulsar forte de alegria e gratidão. Embora pecadores, somos a Igreja de Cristo. Igreja, mistério de amor, Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica. Somos chamados à santidade, à perfeição no amor.

O “amai-vos uns aos outros com o eu vos amei” é nosso distintivo e deve ser sempre objeto de nossos esforços. Esse é um caminho jamais terminado, a meta nunca plenamente alcançada nesta existência. Renovemos, nesse início da década do centenário de nossa Igreja Particular, nosso compromisso de ser Igreja, estreitanto os laços que nos unem em Cristo para que outros, muitos outros, se tornem também discípulos de Cristo.

As recomendções do apóstolo Paulo na segunda leitura de hoje nos colocam nessa direção: não se deixar conduzir pela carne, ou seja, pelos impulsos cegos do egoismo, mas deixar-se conduzir pelo Espírito. Na Epístola aos Gálatas, Paulo explicita qual é o fruto do Espírito: ”o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio”( 5,23). Viver a comunhão e produzir frutos para a salvação do mundo.

Mas há um segundo aspecto do mistério da Igreja que gostaria de explicitar: a Igreja vive a Comunhão caminhando com todos os irmãos de humanidade. Donde sua natureza essencialmente missionária, como nos recorda o Papa Francisco na Exortação apostólica “Evangelii Gaudium”:

“A intimidade da Igreja com Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão «reveste essencialmente a forma de comunhão missionária». Fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem resistências e sem medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo: não se pode excluir ninguém; assim foi anunciada pelo anjo aos pastores de Belém: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo» (Lc 2,10). (EG 23).

“A alegria do Evangelho, que enche a vida da comunidade dos discípulos, é uma alegria missionária. Experimentam-na os setenta e dois discípulos, que voltam da missão cheios de alegria (cf. Lc 10,17). Vive-a Jesus, que exulta de alegria no Espírito Santo e louva o Pai, porque a sua revelação chega aos pobres”, aos pequeninos.(EG 21).

Se a Igreja de Sorocaba está viva e atuante hoje é porque, antes de nós, ela soube transmitir a fé. Hoje desafios novos – e grandes desafios – se colocam para a Igreja. Vivemos não apenas uma época de mudança, mas uma “mudança de época”, como nos recordou o documento de Aparecida. Necessitamos de um novo pentecostes para evangelizar em novos e complexos contextos sociais e culturais. O Papa Francisco, reforçando a orientação do Documento de Aparecida, propõe a “Transformação missionária da Igreja”. Escutemo-lo a nos dizer:

“Cada cristão e cada comunidade deve discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho”( EG 20).

“Anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem resistências e sem medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém”(23).

“Procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos”(24).

“Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo”.(24)

A Igreja Particular se multiplica nas paróquias e nas pequenas comunidades. E o Papa Francisco nos fala da importância da Paróquia.

A Paróquia é “a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas.”(28)[

“A paróquia incentiva e forma os seus membros para serem agentes da evangelização. É comunidade de comunidades, santuário onde os sedentos vão beber para continuarem a caminhar, e centro de constante envio missionário.”(28)

“Sua alegria de comunicar Jesus Cristo exprime-se tanto na sua preocupação por anunciá-Lo noutros lugares mais necessitados, como numa constante saída para as periferias do seu território ou para os novos âmbitos socioculturais.”(30)

Eis o que o Senhor, cabeça e esposo da Igreja, seu corpo e sua esposa, está a nos pedir nesse início da década de seu centenário. Que Nossa Senhora da Ponte, sob cuja proteção nossa Igreja nasceu, pela sua incessante intercessão, atraia sobre nós uma generosa efusão do Espírito Santo para que, por Ele iluminados e fortalecidos, possamos nos tornar cada vez mais uma Igreja missionária, presente e viva nas “periferias de nosso território e nos novos âmbitos socioculturais.”

Concluo com uma breve prece:

Senhor Jesus, “manso e humilde de coração”, conhecer-te é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; encontrar-te foi o melhor que aconteceu em nossas vidas; tornar-te conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria. Faze, Senhor, que pela ação do Espírito Santo, a tua Verdade seja nossa Vida e que anunciar-te e te fazer conhecido seja de fato nossa alegria. Nossa Senhora da Ponte, fica conosco e contagia-nos com o amor de teu Filho, para que sejamos também comunidade missionária, sinal desse amor para nossos irmãos e irmãs de humanidade, aqui nesse chão de Sorocaba, que nasceu e cresceu sob tua proteção! Amém.

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues





















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